Sunday, May 10, 2009

Viagem a Cabo Verde

De 11 de Abril a 18 de Abril de 2009 fiz uma viagem à ilha do Sal, o que se segue são alguns relatos que eu fiz por lá. No final poderão também ver algumas fotografias

Notícias de Cabo Verde - 1

Meus amigos,

uns já saberão, outros ficam a saber agora, que eu vou partir esta noite para uma viagenzita de uma semana até Cabo Verde, mais concretamente até à ilha do Sal. Como de costume vou tentar achar um café Internet e mantê-los mais ou menos informados das minhas andanças. Para aqueles que me lêem pela primeira vez eu queria ainda informar que irei tentar mandar também umas fotografias ilustrativas mas em mail à parte.
Desta vez para vosso alívio não estou muito motivado para a escrita e acho que a paisagem e a ilha não me vão inspirar muito, mas, quem sabe, pode ser que chegado lá se altere a disposição e haja tantos assuntos interessantes para relatar que para vosso azar os mails se tornem muito longos.
Esta não é a viagem que eu queria fazer a Cabo Verde. Gostaria de ir pelo menos duas semanas ( três seria melhor !) e de visitar várias ilhas e de ficar assim com uma impressão geral, mas a vida não é um programa de discos pedidos, por isso vai ser só mêsmo uma semanita até ao Sal.
Assim que lá chegar e tiver qualquer coisa para vos contar receberão novas minhas, até lá despeço-me com a amizade e amabilidade que me caracterizam.

Henrique

Notícias de Cabo Verde - 2

Depois de um vôo sem história ( e convenhamos que nesta coisa de vôos o melhor é eles não terem história, muitas delas acabam mal ) que partíu pontualmente cerca da meia noite lisboeta lá cheguei estremunhado e com o corpinho a pedir cama ( mais que a pedir, a implorar aos gritos ) à ilha do Sal. O meu hotel, as três estrêlas que diziam que tinha, era afinal um nome pomposo para uma pensãozinha simpática com 3 andares, quanto ao asseio nada a dizer, quer o quarto em si quer as roupas da cama estavam impecáveis e o quarto é bastante espaçoso. Como infelizmente durmo pouco, acordei cedíssimo e fui o primeiro a chegar à sala do pequeno-almoço modestinho, sem nada a reclamar mas também sem nada que mereça levantar os braços para dar graças ao Senhor. Depois andei por aí a deambular descobrindo as enormes maravilhas arquitectónicas desta aldeola de 4 a 6.000 habitantes. Fui ao famoso pontão, falei com estes e aqueles e não fui à praia. Tal como já tinha acontecido no Brasil e também em Moçambique é um prazer acrescido ser recebido com um bom dia em português sonoro, toda a gente neste país é perfeitamente bilingue, para além dos vários creoulos ( que mudam de ilha para ilha ) toda a gente fala um português muito aceitável, as pessoas são apesar das enormes dificuldades económicas que alguns devem ter, simpáticas e comunicativas.
Tal como vos disse e para vosso alívio não esperem muita produção "literária" desta vez, talvez que vocês me possam espicaçar um pouco a veia que está meio dormente e que não quer desemburrar à viva força por mais que eu me esforce, fazendo perguntas, dando sugestões, eu sei lá, ajudem-me a sair deste vazio de criatividade em que me encontro.
Amanhã por ser domingo e ainda para mais de Páscoa é possível que os cafés Internet estejam fechados, em virtude disso só talvez lá para segunda-feira recebam algumas novidades aqui desta ilhota perdida no meio do Atlântico.
E com esta me despeço.

Henrique

Notícias de Cabo Verde - 3

Eis que é chegada a altura de falar ( ou melhor de escrever ) sobre comezainas e beberragens. Ontem de manhã ao pé de um restaurante, tinha sido abordado por uma inglesa ( talvez dona ? ) que me tentou engodar com a perspectiva de que segundo ela, naquele restaurante à noite, ia haver um espectáculo ao vivo para os comensais e que todas as bebidas seriam a 1 Euro entre as 19:30 e as 22:00. Claro que eu fiquei a matutar na coisa. Mais adiante noutro bar diziam eles que bebendo uma caipirinha durante a happy hour davam outra de graça. Foi aí que eu pensei: Ora aí está uma bela maneira de eu dar cabo do fígado por pouco dinheiro. E se bem pensei melhor o fiz. Cerca das 19:00 lá estava este vosso amigo firme e hirto, disposto a deitar abaixo as duas caipirinhas, tarefa de que me desenvencilhei a contento de todas as partes. Este ataque de sovinice e esperteza saloia não é de todo desarrazoado, desengane-se quem pense que vem para aqui comer galinha gorda por dez tostões, tudo em Cabo Verde ( como aliás em toda a África ) é muito caro. As tais caipirinhas de facto não eram caras, por 3 euros beber duas enormes caipirinhas foi de facto um achado.Depois das caipirinhas lá segui viagem para o tal restaurante da inglesa. Era um local bastante amplo mas que não era desconfortável. Eu tive o cuidado de virar as costas para o plasma e privar-me assim dos prazeres infinitos que o encontro futebolístico entre o F.C do Porto e o Estrela da Amadora me teria proporcionado, como para além disso felizmente eles tinham tirado som, a coisa por esse lado esteve perfeita. Entendamo-nos, eu não tenho nada contra o F.C. Porto nem contra o Estrêla, a minha antipatia é mais ampla, dirige-se contra todo o futebol em geral, seja ele jogado em Portugal, na Patagónia Setentrional ou na lua. Voltando àquela parte que leva a que as pessoas vão a restaurantes ou seja para comer e beber e tendo-me eu decidido a só comer coisas típicamente cabo-verdeanas ou luso-carbo-verdeanas abalancei-me a comer uma cachupa. Não tenho termos de comparação, penso que nunca tinha comido nenhuma, por isso não posso dizer que estava melhor ou pior que outras que já tivesse comido, posso no entanto dizer que estava boa, era assim uma espécie de sopa bem adubada com alguns pedaços de carne de boa qualidade. Quantas às bebidas lá fiz o sacríficio de deitar abaixo uma cerveja grande e duas pequenas e mais um whiskyzito para rebater. Não foi certamente por isso que eu hoje de manhã acordei com a boca a saber a papéis de música.
Em Cabo Verde tudo, mas literalmente tudo é importado, ir a um mini-mercado ( estavam à espera de encontrar nesta terreola de meia dúzia de habitantes, o Continente do Colombo? ) aqui em Sta. Maria é ir encontrar exactamente os mêsmos produtos que se iria encontrar num mini-mercado de dimensões idênticas em Alguidares de Baixo ou Freixo de Pistola à Banda, só com uma diferença, os preços são no minimo a dobrar, nalguns casos chegam a triplicar, uma garrafinha de Casal Garcia que é vendida em qualquer supermercado lusitano por 2,50 Euros ou coisa que o valha custa aqui 7 ou 8 Euros.
Ah! Já me ia esquecendo de dizer que a população do restaurante era maioritáriamente constituída por nórdicos e inglêses da classe trabalhadora, todos com ar de holligans em potência, comboiando aquelas inglêsas sinistras de ar enjoado, cabeleireiras ou rapariguinhas de shopping, mais a respectiva prole de futuros súbditos de Sua Majestade britânica. Irrita-me ver aquele cortejo de tótós primitivos terem mais dinheiro para gastar e terem melhor nível de vida que a classe média portuguesa. Mas enfim portaram-se bem. Quanto às variedades constavam de duas mocinhas inglêsas que lá se iam safando mais ou menos bem da tarefa de irem cantando alguns evergreens dos últimos 30 ou 40 anos, de 3 em 3 músicas havia um rapazinho com ar muito meloso, assim uma espécie de Michael Boublé para pobrezinhos, que lá ia debitando umas coisitas românticas.
Hoje de manhã tinha pensado em alugar uma bicicleta e ir descobrir a ilha a pedalar, não só porque gosto mas também para não deixar aumentar a curva estomacal, infelizmente o moço que aluga as bicicletas resolveu fazer greve, talvez por ser domingo de Páscoa, mas calma, há mais marés que marinheiros, outro dia virá, das minhas demandas em busca da bicicleta perdida serão certamente informados.
Para compensar a frustração dei por aí mais umas voltas a pé e como já vinha prevenido de casa quem pagou as favas foi o Miguel Esteves Cardoso ( A
causa das coisas ) que já está quase todo relido, mas não há crise, quando este se acabar já o Eça de Queirós ( A cidade e as serras ) está na calha, sim que este vosso amigo é muito lido e culto ( ele até sabe o que é o esternocleidomastoideu! ).
Já andei na praia mas ainda não puz os penantes na água, começa a ser criminoso.
E depois de todo este acêrvo de informações sem as quais vocês teriam imensa dificuldade em suportar esta noite e o dia seguinte, vou-me, esperando que tenham tido uma Páscoa jeitosita.

Abraços

Henrique

Notícias de Cabo Verde - 4

Meus amigos,

ontem depois de vos escrever fui tratar de me alimentar. Andava com vontade de experimentar o peixe-serra, um peixe muito popular por estas bandas, o dito cujo é assim uma espécie de atum só que a carne é branca e tem um serrote a fingir de penca. Lá descobri um lugarzito simpático, mais ou menos abrigadito dos ventos que sopram por aqui, mas que simultaneamente me permitia comer cá fora e com vista para o mar. Para meu azar ( já sei, já sei, passo a vida a lamuriar-me ) devido a ter-se metido o sábado e o domingo de Páscoa os pescadores não foram ao mar pelo que tive de me contentar com uma bica grelhada e sem história. Antes disso tinha sido apanhado por duas moçoilas locais a tirar fotografias no meio da rua. Conversa-puxa-conversa lá me convenceram a tirar-lhes uma foto e depois disso uma com cada uma delas. Se por acaso pensam que vão ver o cheiro sequer da fotinha minha com as duas atrevidotas desiludam-se que eu apaguei-as logo de seguida. Hoje de manhã lá fui dar uma visita obrigatória às belezas locais. Nem vos digo quanto custou, só vos digo que foi um preço perfeitamente exorbitante que me dá vertigens só de pensar nisso. Já vos disse e repito, que se desengane quem tiver a ingenuidade de pensar que as coisas aqui custam o preço da uva que faz chi-chi. Mais um exemplo que me tinha esquecido de mencionar, ontem ao constatar que não havia peixe-serra ainda pensei em derivar para umas gambas grelhadas que custavam 13 Euros a dose, perguntei quantas eram, uma meia dúzia disse-me a simpática empregada, um completo absurdo.
Eu compreendo que tudo quanto seja importado seja mais caro, tem uma certa lógica, agora alguém me é capaz de dar uma explicação cabal e satisfatória para a cerveja Strella que é nacional e servida em garrafas de 25 cl custe 1,50 Euros ou seja o mêsmo preço das importadas Sagres e Superbock que ainda por cima são comercializadas em garrafas de 33 cl cada uma?
Depois do passeio à volta da ilha que demorou com muito vagar umas 3 horas, resolvi-me a ir pela primeira vez à praia, ir à praia não sei porquê faz-me lembrar tatuagens. Quando eu era muito, muito jovem, lá para meados do século 20 ( ou será 19 nem sei bem, de qualquer maneira há muito tempo ) havia duas espécies de pessoas que usavam tatuagens, uma era os ex-presidiários e outra os nossos soldados regressados de combates nas ex-colónias. Quem não sente os olhos marejados de lágrimas ao ver aqueles biceps decorados com um carro de combate desenhado por um camarada de armas com jeitinho para tudo menos para desenhar carros de combate acompanhados daqueles ditos cheios de originalidade tipo: Angola por ti lutei, 1967-69. Ou então Companhia de caçadores nº 453 - Guiné 1965-67. Ou então a versão romântica com um coraçãozinho atravessado por uma seta toda tortinha a deitar umas gotas de sangue pungentes dizendo por baixo: Amo-te Ermengarda Sofia.
Mas isto ainda era a versão soft-core a versão modesta. Ao longo dos 17 anos e meio que vivi lá pelas Alemanhas fui-me habituando sempre contra-vontade a ver os alemães a decorarem o corpo com toda sorte de sinais cabalísticos, pelos braços, pelas pernas, pelo peito, pelas costas, enfim pelo corpo todo.
Tive a oportunidade de constatar o ano passado quando fui à praia que nós portugueses aderimos fácilmente a todas essas modernices, quanto mais parolas melhor, mas que felizmente, a frente tatuística embora começasse lentamente a invadir os corpinhos de lusos e lusas ainda se mantinha em limites dentro do aceitável.
Mas eis senão quando lá fui eu hoje à praia, e eles lá estavam, a caravana nórdico-italo-britânica mais os seus corpinhos modernamente tatuados. Oh, os inglêses como eu adoro aquela working class proleto-manhosa dos arredores de Manchester, Birmingham ou Leeds.
E pronto, embora não pedida lá tiveram que levar com a minha opinião sobre aquele simpático costume que certa camada social sobretudo do norte da Europa tem de decorar os corpinhos com tatuagens.
Quanto às fotinhas até agora levaram com poucas porque houve alguns problemas de natureza técnica que inviabilizaram o envio das mêsmas, amanhã tentarei resolver o problema e enviar-vos mais umas fotos.
Agora vou tratar de jantar e depois à noite vou-me encontrar com o moço que foi meu condutor hoje de manhã e que simpatizou tanto comigo que me convidou para me encontrar com ele quando estivesse despachado para irmos para aí para as noites. Se por acaso nos encontrámos e em caso afirmativo que tal foi a noite, disso vos darei notícias amanhã.

Até lá despeço-me com amizade

Henrique

Notícias de Cabo verde - 5

Depois de me vos ter submetido ( refiro-me àqueles heróis que tiveram coragem para resistir até ao fim ) a todas aquelas diatribes e alarvices ácerca das tatuagens, vou tentar refrear os meus maus-fígados e conter-me um pouco mais.
Já toda a gente deve saber que em Cabo Verde o escudo, aquela moeda que os portugueses tanto lamentam ( vá-se lá saber porquê! ) está vivinho da silva aqui em Cabo Verde e recomenda-se. Claro que não é o nosso, esse morreu e está enterrado esperemos que para todo o sempre, mas o deles. O que talvez alguns ainda não saibam, mas para isso estou cá eu para os informar é que a paridade é de 1 Euro para 100 $ ECV, o que torna o nosso euro em prácticamente segunda moeda aqui. É normal pagar-se por exemplo uma conta de 1500$ com uma nota de 2000$ e receber-se 5 Euros de trôco ou entao pagar-se uma conta de 40 $ com um moeda de 20$ ECV ( Escudos de Cabo Verde ) e outra moeda de 20 cent.
Ontem depois de jantar um bife de serra bastante aceitável lá me encontrei com o meu condutor da manhã, que por uma razão que eu não descortino a nao ser pelo meu charme, simpatia, magnetismo pessoal, modéstia etc, engraçou comigo. Lá conversámos um bocado e ele que mora na poderosa capital aqui da ilha ( 16.000 habitantes ) convidou-me para ir almoçar hoje a casa dele.
E assim foi, apanhei o transporte público ( versão cabo-verdeana ) e lá fui a casa dele e da namorada. Em minha honra, já que se trata de um prato bastante dispendioso para eles, tinham feito uma cachupa que estava bem melhor que a da primeira ou segunda noite.
Devo dizer que de certo modo me comoveu a cordialidade e simplicidade com que me acolheram. São pessoas muito modestas e que não se importaram de me convidar a mim menino "rico", sem quererem nada em troca para compartilhar da intimidade do seu lar.
Hoje à noite vou jantar com uma amiga minha ( e respectivo namorado ) que mora aqui em Cabo Verde. Ela contou-me por alto que os planos incluíam ir depois de jantar a um hotel assistir a um espectáculo. De tudo serão informados.
Julgo que por algumas dificuldades técnicas a tal foto do brilhante e tal tirada naquele lugar com evidentes mas nao intencionais conotações escatológicas não chegou. Tentarei num futuro mais ou menos próximo colmatar essa falta.
E com esta me vou.

Abraços

Henrique

Notícias de Cabo Verde - 6

Meus amigos,

Ontem lá fui jantar com a minha conhecida que mora aqui em Cabo Verde mais o respectivo acólito e uma amiga dela. Os mais marotos e marotas de vocês já estarão por aí a imaginar coisas, dois casais, um já está feito, ele está sózinho, a menina eventualmente também, isto deu coisa de certeza. Tenho de desiludi-los, ando de há uns anos a esta parte a criar um sentimento de aversão a toda a gente a quem sou apresentado que me impede de sequer pensar em qualquer coisa desse género. De facto contam-se pelos dedos de uma mão e ainda sobram dêdos as pessoas que eu conheço e com quem me apetece continuar a relacionar-me. A primeira reação é pelo sim, pelo não, pô-los(las ) à distância. Se eu ligasse alguma coisa aos carpinteiros da alma ( psicólogos, psicanalistas etc ) tentaria que explicassem isso, mas eu dessa gente quero como do resto dos outros mortais, distância.
Fomos jantar a um hotel a sério e não àquela pensão travestida de hotel onde eu estou a viver,que é bem simpático e familiar,mas cujo nome de hotel é uma usurpação.
Como não era só eu a decidir, resolveu-se mandar vir 3 pizzas para 4 pessoas para reduzir as despesas e mandámos vir uns camarões salteados como entrada. As pizzas eram boas, grandes, com uma base fininha e estaladiça nada a lastimar. Para além disso nessa noite o grupo de animadores do hotel promovia uma amostragem de diversas danças de Cabo Verde e que foi bem interessante.
Hoje de manhã resolvi-me finalmente a dar a tal volta de bicicleta, fartei-me de andar por aí a dar ao pedal até me cansar e ir devolver a bicicleta.
À tarde continuei os meus passeios higiénicos aqui pela povoação, vi para aí a meia-hora final do Porto- Manchester, quem me conhece sabe que eu tenho sobre o futebol a mêsma posição que o Menino Jesus a quem há uma série de assuntos que não o fascinam particularmente, quem é que já não disse ou ouviu dizer: Isso não interessa nem ao Menino Jesus. É mais ou menos o mêsmo que eu penso do futebol. No entanto, claro que preferiria que os portistas tivessem ganho. Paciência, fica para a próxima.
Hoje à noite vou a uma discoteca, há aqui duas, uma chamada Calema a que eu já fui e outra que parece ser mais atrevidota chamada: O Pirata. Tenho sobre discotecas a mêsma posição que sobre futebol, mas uma discoteca atrevidota em Cabo Verde é uma coisa que não quero ir-me embora sem deixar de ver. Que tal foram, de que género foram, se houve atrevimentos ou não, de tudo serão informados com a minudência de pormenores que tanto vos deve irritar para meu gaudio pessoal, tenho de confessar com um certo prazer não isento de um certo sadismo.
E por agora me vou.

Henrique

Notícias de Cabo Verde - 7

Meus amigos,

até há um ou dois mêses atrás nunca tinha ouvido falar em toda a minha vida numa coisa comestível chamada cracras. À conversa com uma amiga, ela contou-me que lá para os Açores se comia isso. Fiquei a aguardar uma ida aos ditos para mastigar o tal pitéu. Anteontem conversa-puxa-conversa com a dona de um restaurante ela disse-me que tinha cracas. Ora ia eu lá perder aquela oportunidade? Nem pensar!
Eu vou tentar explicar para quem não sabe o que são as supramencionadas. Assim à vista desarmada parecem um conglomerado do tamanho de um punho fechado, um bocado arrancado à rocha. Olhando com mais atenção e usando um instrumento apropriado, lá se consegue extrair um molusco ( penso que seja um molusco, os meus conhecimentos de fauna marinha nunca foram nada de especial ) com uma carne delicada. Dá um certo trabalho, mas vale a pena. Estava-me também a preparar para ferrar o dente nuns percebes mas a senhora já me disse que é pouco provável que venham até amanhã, paciência não se pode ter tudo.
Espero que todos ou quase tenham recebido as fotos que eu fui tendo a trabalheira de vos enviar, mas que vocês cambada de mal agradecidos nem comenta. Deixem estar, hão-de vir cá pedir batatinhas para a próxima.
Antes de chegar ao high-light, ao ponto alto do meu dia de hoje e também da minha estadia aqui queria chamar-vos a atenção que devido ao facto de eu me ir embora amanhã, vos resta muito pouco tempo para comentários, sugestões, dúvidas, críticas etc.
Sei que vocês esperam com alguma ansiedade o resultado da minha incursão pela tal discoteca, de que puderam com alguma atenção ver 3 fotografias.
Tinham-me falado em podridões e devassidões capazes de fazer Sodoma e Gomorra parecerem um jardim infantil e eu queria ver como era. Infelizmente foi um completo fiasco, estive a aguardar até à meia-noite para não ir para lá abrir a discoteca, para afinal de contas chegar lá e bater com o nariz na porta, as calamidades morais só têm lugar à terça e ao sábado pelo que ficaremos eu e vocês privados de conhecer mais intimamente semelhante local.
Juntamente com o meu bilhete de vôo, tinha recebido da agência um voucher que dava direito a tomar parte numa aula de aprendizagem de mergulho. Eu sempre tinha querido fazer uma coisa dessas e até já tinha pensado várias vezes, nomeadamente quando estive na Tailândia estive mêsmo vai-não-vai para tentar tirar o curso de mergulho, mas eu tenho um pequeno handicap pessoal, nado tão bem como uma mó de moinho, daí sempre me ter retraído.
Eu sabia que essas aulas de aprendizagem são dadas numa piscina por isso por aí não haveria azar. Os instruendos eram dois, eu e mais um outro melro, o instrutor um brasileiro.
O homem deu-se cuidado a explicar tudo com muita calma e detalhe, todos os procedimentos etc e depois disso lá fomos para a piscina. Tudo funcionou muito bem, eu estava à espera de me engasgar, de começar a tossir, sei lá, de mil desgraças, mas não, lá andámos eu e outro a chafurdar e confesso que estava dar imenso gozo. Chegada ao fim a sessão o rapaz perguntou-me se nós queríamos ir para o mar. Eu fiquei banzado, mêsmo para o mar? Sim, não era preciso saber nadar, bastava ficar tranquilo e o instrutor guiava-me.
E assim foi, chegámos à água, mergulhámos e ele lá me foi guiando, eu não tinha de fazer rigorosamente nada para além de respirar e abrir os olhos para ver toda aquela variedade de peixes que ia passando à minha frente. Tudo aquilo que eu até agora tinha visto no cinema e na televisão estava agora a acontecer diante dos meus olhos. Uma experiência inolvidável e que me aguçou o dente para mais. Apesar da minha idade já avançada, acho que ainda me vou atirar à empresa de tirar pelo menos o curso básico.
E pronto por hoje é tudo, amanhã tenho um conjunto de reflexões sobre Cabo Verde para partilhar convosco que talvez achem interessante, eu pelo menos nunca tinha pensado nisso por essa perspectiva antes de vir cá, veremos como saem e o que vocês acham.
E agora vou tratar do jantar,
Abraços

Henrique

Notícias de Cabo Verde - 8

E pronto, estas férias estão a chegar ao fim, antes da já temida e ansiada conclusão final que eu faço sempre já depois de regressar a casa, queria ainda comunicar-lhes os resultados de algumas observações minhas e não só, estas opiniões resultam também do cruzamento dos meus pensamentos com a opinião de outros portugueses aqui residentes e de caboverdeanos.
Há cerca de uns 10 anos a esta parte um grupo relativamente grande de senegalêses e também em menor expressão, sierraleoneses, gambianos, nigerianos etc começou a "invadir" Cabo Verde gerando nos locais sentimentos confusos e contraditórios. De facto os caboverdeanos criaram uma identidade muito própria que se lhes não permite serem europeus por motivos geográficos e étnicos, também não os deixa serem africanos.
Vamos a ver, para qualquer europeu o nosso imaginário colectivo quando pensamos na África subsaariana vemos rios ou lagos infestados de crocodilos, guerreiros Massai de lanças na mão, elefantes, zebras, pôr-do-sóis sobre as savanas tipo "África Minha", batuques, cubatas, caçadores brancos à noite a jantarem embalados pelos cânticos dos carregadores com eventuais rugidos de feras em pano de fundo, cidades gigantescas e desordenadas com slums onde vivem milhares de pessoas sem saneamento básico, crianças famélicas de ventre inchado etc etc.
Ora bem, isso é a imagem que nós temos e que os caboverdeanos têm de África, já que nada disso existe em Cabo Verde. Durante a guerra colonial a Guiné tentou sem sucesso visivel que Cabo Verde se "juntasse" a África. O caboverdeano tem na maior parte das suas atitudes uma relação muito mais europeísta que africana, está habituado desde tempo quase imemoriais a conviver com o europeu, o português primeiro e agora com o português, o italiano, o inglês, alemão, escandinavo etc. Se perguntarmos a um caboverdeano ( e eu fi-lo várias vêzes ) onde ele gostaria de ir de férias se alguém lhe pagasse 15 dias fora daqui, nem um só dirá que quer ir a África, dirão Estados Unidos , Portugal, Londres, Paris.
Os caboverdeanos têm ao seu dispôr alguns canais de TV que passo a citar: a TV de Cabo Verde ( que não transmite durante 24 horas ) um canal espanhol ( que ninguém vê ) outro francês ( idem ) um brasileiro que é visto de vez em quando embora raramente, a RTP África que é bastante visionada, a SIC e a TVI, não há dona de casa caboverdeana que não esteja a par das aventuras e desventuras, amores e desamores dos personagens das telenovelas que essas emissoras transmitem, quanto aos homens adoram a Sport TV e sofrem com o seu Benfica, Porto ou Sporting com o mêsmo entusiasmo que qualquer cidadão português. Qualquer adolescente ou pós-adolescente conhece as personagens dos "Morangos com açucar" como um seu congénere nacional do mêsmo grupo etário. Quanto a canais africanos são uma cifra redonda ou seja zero, nada, rien, niente.
Os produtos que há à venda nas lojas e supermercados são na esmagadora maioria portugueses, com uma meia dúzia de artigos espanhóis, holandêses, brasileiros etc que todos juntos não representarão mais de 5 % do sortimento, mas que ainda assim são na maior parte europeus. De África nem um só.
Fruto do contacto secular e da intensa miscigenação o caboverdeano tem uma relação totalmente descontraída e descomplexada com o europeu, sem subserviência ou arrogância, não há como eu observei em Moçambique algumas pessoas hesitantes, timoratas, desconfiadas sem saberem o que dizer a um europeu ou como reagir, não, o caboverdeano reage com naturalidade de igual para igual.
Tudo isso nos leva à minha tese inicial que é afinal de contas que Cabo Verde é um país geográficamente ( e semi-étnicamente também ) africano mas de costas voltadas para África e voltado para a Europa.
É um país pobre, de gente simpática e afável, com um dos poucos govêrnos estáveis em toda a África.
Sôbre a minha opinião de Cabo Verde como destino turístico guardarei isso para amanhã ou depois na minha conclusão final.
Até lá e da ilha do Sal é tudo, espero como de costume ter contribuído para que o vosso ódio de estimação por estes comentários e opiniões (que ninguém me pediu mas que eu teimosamente vou continuando a dar!) tenha aumentado.
Um abraço

Henrique

Notícias de Cabo Verde - 9 ( Balanço final )

Se eu tivesse de dar notas como os professôres para esta minha ida a Cabo Verde, daria numa ecala de 1 a 10 para aí um 4. Não, puxando um bocadinho pelas orelhas talvez um 5, mas tudo isto só à conta do facto de eu ser português e de Cabo Verde ter sido colonizado por portugueses, se um destes dois factores não fôsse verdadeiro eu daria para aí um 1 como nota a Cabo Verde.
Assim, o grande prazer foi de facto o comunicar com as pessoas. Todas as atrações turísticas do Sal se vêem com muito vagar numas 3 horas no máximo e pronto, depois nada mais há para fazer, porque está vento a praia é prácticamente impraticável, porque está vento quase não há esplanadas e as que há não são muito convidativas, a flora e a fauna são prácticamente inexistentes, o factor exotismo é zero, quer as mulheres quer os homens, vestem no estilo português-que-vai-para-a-praia, t-shirt e calções ou mini-saia e havaianas.
Inexplicávelmente, está a aumentar o número de hotéis e o número de pessoas de vários países que está lá a comprar casa, havendo muitas casas em construção.
Eu lá consegui concretizar mais um sonho que acalentava há mais de 30 anos e pouco a pouco ainda não desisti da ideia de visitar todos os lugares onde se fala português. Isso, o facto de os caboverdeanos serem sociáveis, gentis e acolhedores e de eu ter também concretizado inesperadamente aquele sonho de ter mergulhado, faz com que eu dê a tal nota 5 de que falei no início.
E pronto por esta vez finalmente é tudo, obrigado pela paciência que tiveram para me ler, eu pela minha parte tentei ser tão minucioso quanto possível e gozar com um certo prazer sádico ao imaginar o vosso ar desconsolado de cada vez que abriam o mail.
Até à próxima.

Abraços

Henrique